Lembro-me das palavras do padre a dizer: fechemos nossos
olhos, reconheçamos nossas culpas diante de Deus... Pouco antes de fechar meus
olhos dei uma espiadela ao redor e vi no banco da Igreja uma menina que com
piedade e devoção segurava suas pálpebras juntas, bem trêmulas, era possível
perceber que na inocência de criança fechara os olhos, mas os deixou entreabertos
tendo por cortina os cílios para assim não perder nada do que acontecia ao seu
redor.
Que mal teria no coração de tamanho ser? Que culpa diante de
Deus encontraria aquela menina?
O pão nosso... o pão nosso... essas palavras ecoavam na
cabecinha infantil enquanto seguia em coro e de maneira viciada os fiéis: ...de
cada dia nos dais hoje...ainda fazendo-se ouvir o “pão nosso”, em seu interior
já se tornara um questionamento, a menina puxou a barra da saia da mãe e ao pé
do ouvido perguntou: mãe, tem pão hoje?
Ó pergunta cruel! Na tentativa de uma resposta sem delongas,
talvez porque não saberia dar muitas justificativas sobre o que iria afirmar, a
mãe sussurrou: “Deus nos dá o pão de cada dia” e reencontrou-se na oração
seguindo em coro com os demais, no entanto, algo mudara no pronunciar cada
palavra. As palavras ganharam sentido e percebera a mulher que: o que fala a
boca, pede o coração.
Que salto de qualidade, mas que momento de preocupação! Os
cantos chorosos e eruditos do gregoriano que para muitos significava a elevação
da alma a Deus encontravam contraste nas lágrimas do coração angustiado da mãe que
não tinha o armário abarrotado de comida, mas enquanto muitos ali pediam o que
já tinham de sobra, ela agradecia o que Deus lhe providenciara, por meio do
trabalho e do esforço que ela fizera, para comer naquele dia. Do último banco
podia-se ouvir ainda os gritos e os gemidos dos pobres lá fora que, se não
mendigavam, brigavam entre si por um pedaço de pão....
A menina inquieta, ouvindo os pobres lá fora, puxa mais uma
vez a barra da saia e pergunta em sussurros, como replicasse à resposta da mãe:
“Deus também vai dar pão pra quem ta lá fora?”... a mãe nada
responde...terminada a missa voltam para a casa, preparam o almoço, estranho
porque naquele dia a mãe não usou apenas metade do pacote de macarrão, como
sempre fizera, mas sim, cozeu-lhe todo; o pai que acabara de chegar da roça, enquanto
descansava um pouco, ouvia a esposa lhe contar da filha durante a missa daquele
domingo.
Depois de contar as indagações da menina e dar seu parecer
sobre elas achou que era o momento de lhe ensinar algo e então juntos a
chamaram e a levaram até a praça da Catedral e lá, com os pobres dividiram o
almoço... já voltando para casa a mãe trazia não mais um ar de preocupação,
talvez porque aprendera tentando responder para si as indagações da filha que a
confiança em Deus não se dá de maneira parcial, mas sim de modo pleno.
Aprendera que confiar é esperar, mas é esperar caminhando, conquistando, ainda
que pouco, e partilhando o que se conquista, isso faz com que nunca falte a
ninguém. Por isso trazia um semblante de missão cumprida, virou-se pra menina e
disse: Deus acabou de dar o pão.
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