A menina que guardava sonhos

Quem na adolescência não relatava a emoção de seus dias nas páginas de um diário? Páginas de papel que hoje deram lugar às virtuais, mas todos, crianças, adolescentes querem registrar cada dia de sua história e em cada um deles escreve como se já pudesse prever o futuro e então escreve sobre seu presente, mas também contando e pensando nos seus sonhos, projetos, ainda que tenha pouca compreensão acerca do que quer na vida. Talvez aquele namoro, aquela amizade, os sonhos que se misturam nas páginas de um diário vão mais nesse sentido ao invés de realização profissional.

Foto de Isabelle Barbosa

E era isso que aquela menina fazia todos os dias: relatava as emoções vividas, em cada dia uma surpresa, um sonho, um desejo... sempre tinha algo pra contar. Vivia da novidade do mundo que a adolescência permite experimentar. Que vida de aventuras! Também de desilusão, de decepção... mas, de amizades vivas, com promessas de amor e amizades eternas.

No entanto, eterno mesmo eram os escritos daquelas páginas. Ainda que todos os fatos se apagassem da memória, ainda que todos os amigos se fossem, ainda que o amor mais amado a deixasse, lá estava ele: o diário. Coisa capaz de nos fazer lembrar, nos fazer reviver os bons momentos com os amigos... capaz até de reavivar no peito o fogo do primeiro amor, sentir seu beijo, sentir a demora do olhar um no outro.

Magnífico, estupendo! Ela se maravilhava em cada escrito, em cada descrição do passado que ao mesmo tempo era presente e era futuro. Era passado por já ter vivido, era presente por ser vivido novamente na memória e era futuro porque naquelas páginas existia muito da mulher que se tornara depois. Há muito de nossa infância e adolescência no adulto que somos hoje; infeliz é aquele que sufocou a criança dentro de si.

Mas um dia, a menina cresceu. Fechou o diário. Sem anotações, sem lembranças, sem passado, sem presente. Focou no futuro, o que serei, o que farei? As preocupações da juventude a fizeram achar que as anotações e as lições que aprendera com a vida e cotidianamente, quase que num gesto ritualístico, anotadas em seu diário, eram coisas do passado, eram coisas de uma adolescente.

Menina moça, formada e tudo mais, ao se preparar para mudança, reencontra com o amigo esquecido. Numa das gavetas daquele quarto estava o diário, ao vê-lo o segurou na mão pensando se deveria abri-lo, sentando ao chão abriu o diário e foi como se toda sua meninice viesse à tona. Ao reler cada página vira que naqueles tempos vivia das coisas que lhe davam prazer, que eram essenciais para a vida.

Foto de Isabelle Barbosa

Por um instante se questionara e chegara a conclusão de que talvez a preocupação devesse ser a de levar saudade para o futuro, saudade do presente. Todas as páginas e momentos escritos foram saudades exteriorizadas em palavras e que agora a fazia, no futuro daquele escrito, olhar para o passado e aprender com ele, e se questionar com ele.  

É... quem dera que nós também pudéssemos ao escrever a nossa história, escrever saudades com as quais ao relembrá-las não teremos um sentimento, mas teremos vivo na memória um passado que nos ensinou.

Acontece que tal como a moça nos amoldamos ao frenesi da vida, na pressa, na correria, nunca temos tempo. E fechamos também o diário no qual escrevemos nossa vida, vivemos da rotina, da mesmice.

Por fim, uma hora, em meio às inúmeras mudanças que a vida nos proporciona, de repente, uma situação, uma palavra, um gesto, um objeto, faz vir à tona todos os sentimentos dos anos de outrora, ah! O diário cai novamente em nossas mãos, com ele podemos relembrar o passado apenas, ver que foi bom e fechá-lo novamente, esquecendo os sonhos e os projetos ou podemos, olhando para o passado, nos questionarmos e escrevermos novas linhas das experiências vividas em nossa história.