quarta-feira, 21 de novembro de 2012

À flor da noite


Há alguns metros distante de minha janela um pé de “Dama da noite”, uma espécie de flor que, na primavera, se abre ao anoitecer e se fecha com os primeiros raios do sol. Faz poucos dias que a primavera começou e sua beleza já tem invadido nosso cotidiano, reservando-nos surpresas como a de num entardecer de domingo podermos sentir o mais doce perfume, da mais meiga flor. Mesmo estando plantada há metros de distância, faz com que por um milésimo de segundo paremos e nos deixemos envolver pelo seu aroma.

   Nesse momento catártico, no qual a mente pensa aquilo que o corpo inspira, um sentimento de saudade, de alegria, envolve o coração, traz a ele a certeza anestésica de que tudo vai bem... ainda que assim não esteja, sentir tal perfume nos faz olhar para aquilo que é o essencial da vida. Nos faz sentir, mais do que pensar, mais do que resolver, nesse momento apenas sentimos... sentimos o perfume, imaginamos a flor, relembramos tantas pessoas que passaram por nossa história e suavizaram os caminhos da nossa vida, pessoas que nos fizeram descansar em seus braços, dando-nos o sentimento de segurança.
Imagem do blog Tecõ - Paisagismo e Jardinagem
   E quem sabe até podemos afirmar: existem pessoas que são tais quais “dama da noite” em nossa história. Chegam nos momentos breus da vida, ainda que naquele momento não consigamos enxergar o quão importante aquela pessoa é para nós, algo, um ‘sentir’, nos diz que há ali paz, nessa pessoa se personifica um sentimento de tranquilidade, calma, harmonia, que nos impregna, nos faz respirar e isso nos dá a certeza de que tudo vai bem... ainda que assim não esteja, sentir tal pessoa ao nosso lado nos faz olhar para aquilo que é o essencial da vida.  
   Muitas dessas pessoas, também, aos primeiros raios de sol acabam por nos deixar... talvez porque nossa missão seja ser luz para alguém e quando esta brilha por luz própria é preciso deixá-la iluminar sozinha, seguindo seu caminho, tornando-se luz nas noites de tantos outros, perfumando o jardim da vida de alguém...
   Tão perfumada planta nos faz pensar em nós... quais perfumes tenho exalado àqueles que estão à minha volta? Teria eu cheiro amável, capaz de anestesiar uma dor, fazer brotar um sorriso? Se ainda não é possível responder positivamente a isso, precisamos cuidar mais de nosso jardim interior, adubando-o com carinho, amor, permitindo que luzes clareiem os recônditos de noss’alma.
   Uma vez iluminados por gestos, pessoas, possamos iluminar, sermos agentes de transformação, de luz; em um mundo que trocou seu dinamismo pelas rédias da globalização, pulverizou-se a beleza daquilo que é particular, pequeno, e talvez por isso não vemos belezas em noites escuras, porque não é comum sempre se sentir o perfume da “dama da noite”, nos amoldamos e para nós todas as noites são iguais, mas não, cada noite é uma noite, quando se olha para aquilo que é pequeno em cada tempo se pode notar diferenças, pode-se notar até mesmo o cheiro da flor... e aí, não é mais uma noite, não é mais um sofrimento, mas sim..ah! em meio a essa ou aquela noite, há um refrigério, há uma luz, há alguém, há um aprendizado que nos torna fortes para vencermos as noites, aprendermos com elas, e nos tornarmos agentes ao amanhecer, e nos tornarmos iluminadores com os primeiros raios de sol. 

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