quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O 'dizconhecido'

E lá estava o homem de frente para o mar. Perdia-se na imensidão, deixava que a realidade ao seu redor o interpelasse, o penetrasse, e, de alguma forma, quisera colocar tudo o que via fora para dentro. Na mente uma pergunta: o que sou diante desse infinito de possibilidades?

Não muito longe dali já se aproximava um menino. Pé no chão, mirradinho, pele clara avermelhada pelo sol... chegou bem perto, viu que o homem olhava para algum lugar ao longe e pôs-se a olhar no horizonte, quase que imitando o gesto do amigo que acabara de encontrar.

Após um silêncio pacificador irrompeu no ar a voz do menino a dizer: o que tem além do que se vê? – tão logo emendou a resposta – O desconhecido! O homem que até ali gritava na mente, mas nem uma onomatopeia se quer deixava seus lábios pronunciar, abriu a boca e num esforço interior sentiu emergir as palavras e as disse: você não tem medo? Medo? Devolveu em pergunta o menino. Não, não tenho medo, porque o teria? O mar me traz muitas coisas boas...quando temos fome a mamãe sempre me pede pra vir buscar uns peixes...quando quero paquerar sempre venho pegar conchas pra fazer um colar, quando quero impressionar venho aqui e procuro as pedras mais belas e as pinto com o nome de quem amo... o mar traz o vento pra eu levantar o pipa, traz a onda pra eu surfar, traz a água que nos refresca.

Mal tinha parado de falar o menino já deu continuidade o homem: é aqui que chegam as frentes frias, aqui chega os maremotos... (já pensando em voz alta continuou em seu monólogo) depois as montanhas filtram tudo, em mais ou menos intensidade tudo isso chega até nós lá no interior, na capital. É o desconhecido determinando o conhecido.

Voltaram o olhar para o horizonte, estáticos, sem uma palavra, para o menino o mar continuava com seu valor, mas para o homem tudo fazia sentido, um insight lhe roubou as dúvidas, os questionamentos sobre quem era, sobre tudo o que o cercava...contentou-se com a resposta: o desconhecido determina o conhecido.


Olhando bem, mas não mais com os olhos físicos, olhava com os olhos da alma, contemplava a imensidão do mar de sua vida, notara ali que muitos desconhecidos ancoraram nos portos de sua história. Muitos chegaram e partiram, no entanto, todos os desconhecidos, ainda que por um instante, ainda que por um simples gesto, tornaram-se conhecidos e o deixara diferente do que era antes do encontro.

Com os pés o homem sentia a areia, lembrou-se que certa vez ouvira numa Igreja: “do pó vieste e ao pó voltarás”... sentia-se areia naquele momento, percebia que durante muito tempo foi rocha, foi pedra dura diante de situações e fatos, mas agora? Agora era pó...não descobrira isso tarde demais porque ele precisava voltar pra sua vida rotineira, mas voltava diferente...voltava pó, descobriu que as águas desconhecidas (o desconhecido) foi, de encontro em encontro, o tornando flexível diante das realidades, o fez pequeno para ser imenso e muitos, o fez pó para do desconhecido alguém gritar: Terra à vista! E encontrar naquela terra, que era areia, que era instável, que era o homem, sua segurança ou pelo menos o lugar onde poderia refazer suas forças.


Descobriu-se enfim! Era areia, resultado de encontros, de idas e vindas...depois de acordar acordado moveu a cabeça para baixo, como que olhando para o lado, e não viu mais o menino, apenas suas pegadas deixadas na areia, seguindo-as com os olhos viu lá distante o menino que pulava ao encontro de alguém...voltando-se para o mar sentia-se envolvido por ele, seria capaz de bebê-lo todo, quisera se tornar devorador de desconhecidos. Só uma coisa o perturbava: como podia uma criança ter tido uma palavra tão madura? Tão sábia? Isso lá é linguajar de criança? De sobressalto ouviu a voz do coração e dando uma ultima olhada para o mar virou-se e pôs-se a caminhar para dentro de casa dizendo para si mesmo: crianças sempre ensinam, nós é que talvez sejamos adultos demais pra aprender com elas...

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