E lá estava o homem de frente para o mar. Perdia-se na
imensidão, deixava que a realidade ao seu redor o interpelasse, o penetrasse,
e, de alguma forma, quisera colocar tudo o que via fora para dentro. Na mente
uma pergunta: o que sou diante desse infinito de possibilidades?
Não muito longe dali já se aproximava um menino. Pé no chão,
mirradinho, pele clara avermelhada pelo sol... chegou bem perto, viu que o
homem olhava para algum lugar ao longe e pôs-se a olhar no horizonte, quase que
imitando o gesto do amigo que acabara de encontrar.
Após um silêncio pacificador irrompeu no ar a voz do menino
a dizer: o que tem além do que se vê? – tão logo emendou a resposta – O
desconhecido! O homem que até ali gritava na mente, mas nem uma onomatopeia se
quer deixava seus lábios pronunciar, abriu a boca e num esforço interior sentiu
emergir as palavras e as disse: você não tem medo? Medo? Devolveu em pergunta o
menino. Não, não tenho medo, porque o teria? O mar me traz muitas coisas
boas...quando temos fome a mamãe sempre me pede pra vir buscar uns
peixes...quando quero paquerar sempre venho pegar conchas pra fazer um colar,
quando quero impressionar venho aqui e procuro as pedras mais belas e as pinto
com o nome de quem amo... o mar traz o vento pra eu levantar o pipa, traz a
onda pra eu surfar, traz a água que nos refresca.
Mal tinha parado de falar o menino já deu continuidade o
homem: é aqui que chegam as frentes frias, aqui chega os maremotos... (já
pensando em voz alta continuou em seu monólogo) depois as montanhas filtram
tudo, em mais ou menos intensidade tudo isso chega até nós lá no interior, na
capital. É o desconhecido determinando o conhecido.
Voltaram o olhar para o horizonte, estáticos, sem uma
palavra, para o menino o mar continuava com seu valor, mas para o homem tudo
fazia sentido, um insight lhe roubou as dúvidas, os questionamentos sobre quem
era, sobre tudo o que o cercava...contentou-se com a resposta: o desconhecido
determina o conhecido.
Olhando bem, mas não mais com os olhos físicos, olhava com
os olhos da alma, contemplava a imensidão do mar de sua vida, notara ali que
muitos desconhecidos ancoraram nos portos de sua história. Muitos chegaram e
partiram, no entanto, todos os desconhecidos, ainda que por um instante, ainda
que por um simples gesto, tornaram-se conhecidos e o deixara diferente do que
era antes do encontro.
Com os pés o homem sentia a areia, lembrou-se que certa vez
ouvira numa Igreja: “do pó vieste e ao pó voltarás”... sentia-se areia naquele
momento, percebia que durante muito tempo foi rocha, foi pedra dura diante de
situações e fatos, mas agora? Agora era pó...não descobrira isso tarde demais
porque ele precisava voltar pra sua vida rotineira, mas voltava
diferente...voltava pó, descobriu que as águas desconhecidas (o desconhecido)
foi, de encontro em encontro, o tornando flexível diante das realidades, o fez
pequeno para ser imenso e muitos, o fez pó para do desconhecido alguém gritar:
Terra à vista! E encontrar naquela terra, que era areia, que era instável, que
era o homem, sua segurança ou pelo menos o lugar onde poderia refazer suas
forças.
Descobriu-se enfim! Era areia, resultado de encontros, de
idas e vindas...depois de acordar acordado moveu a cabeça para baixo, como que
olhando para o lado, e não viu mais o menino, apenas suas pegadas deixadas na
areia, seguindo-as com os olhos viu lá distante o menino que pulava ao encontro
de alguém...voltando-se para o mar sentia-se envolvido por ele, seria capaz de
bebê-lo todo, quisera se tornar devorador de desconhecidos. Só uma coisa o
perturbava: como podia uma criança ter tido uma palavra tão madura? Tão sábia?
Isso lá é linguajar de criança? De sobressalto ouviu a voz do coração e dando
uma ultima olhada para o mar virou-se e pôs-se a caminhar para dentro de casa
dizendo para si mesmo: crianças sempre ensinam, nós é que talvez sejamos
adultos demais pra aprender com elas...
Muito bonito!!
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