(Uma metáfora para a manifestação)
E não é que o menino colocou na cabeça que a sementinha lhe
traria algo bom na vida?! Plantou-a no meio da praça, lá ele ia todos os dias,
regava, questionava, conversava com a sementinha... Certo dia, passado já muito
tempo, o menino cresceu e ficou moço, jovem já, mas nunca lhe passou pela
cabeça abandonar a ideia de cuidar da sementinha, afinal, quem a entregou era
pessoa de confiança. O sol nem tinha nascido direito, já estava lá o menino,
ansioso na esperança de ver um brotinho que fosse do pé de Margarida.
Mas aquele dia foi diferente, ao cair a primeira gota do
regador, já velho, uma folha irrompeu o véu da terra e iniciou sua subida sem
parar. Não era só uma folha, não era só um broto, mas sim um pé enorme que
tocara o céu. Este fez com que o gigante que vivia nas alturas, vez ou outra,
numa espiadela, olhasse para baixo, mas aquele dia o gigante acordou. Ao
acordar irritado olhou pra baixo e o que viu não foi apenas o João, viu Maria,
Pedro, Natália, Felipe, Thales, Giovana, Laís, Paulo, Vinícios, viu a mim, viu
você... e pela primeira vez o gigante encontrou outro Gigante, um mais forte,
um mais voraz.
Já ia me esquecendo de contar... Como o gigante sempre
dormia tranquilo se esquecia do povo que vivia abaixo dele, e por isso toda
gente, vira e mexe, sofria com as regalias do gigante. Quando não era baba eram
suas flatulências. O povo gritava já
louco pelas ruas: Que horror o excremento do gigante! – em ambiente tão sujo e
nojento era difícil acreditar que um pé de flor pudesse fazer a diferença.
No entanto, quando o gigante acomodado olhou e viu o Gigante
indignado, notou que o povo cansado de suas sujeiras, só de sacanagem, iria
agora inovar. Não pegaram armas, não violentaram o gigante, mas ao contrário,
todos com muita esperança passaram a cultivar suas sementes e o que se viu? Em
tão pouco tempo, aquilo que era insignificante tomara corpo e ficara grande.
As margaridas cresceram com folhas tão avantajadas que cerraram
as alturas aprisionando o gigante que se achava poderoso! Assim como porco,
lambuzou-se da lavagem, e mal sabia que teria seu fim no seu próprio chiqueiro.
Fica a pergunta: e o João? O João cresceu e ficou forte, não
por egoísmo ou vã glória, mas sim porque se uniu e se tornou um com todos
promovendo transformação. Hoje olho pro Brasil e vejo muito do Joãozinho.
Muitos de nós recebemos boa educação, tivemos professores que acreditaram em
nós, em nossa capacidade de fazer a diferença. E não apenas professores, nossos
pais, pessoas próximas que cuidaram de nós e muito contribuíram com a formação
de nossa consciência.
Entregaram-nos sementes, não nas mãos, mas sim no peito, no
coração. Alguns cultivaram tal semente e por ter a esperança de que ela iria se
abrir em flor foram às ruas e, ainda que em poucos, cansados muitas vezes,
desanimados outros tanto de vezes, não se cansaram de sair com seus regadores e
cultivar a semente das pessoas que já a tinham esquecido.
E agora? Ah! Agora viram a flor nascer. Esse gesto fez com
que a população se lembrasse das lutas do passado, recordasse de seus direitos
de vida e de vida em plenitude. O povo viu como é bonito um jardim no meio da
cidade e todos se empenham por cultivar e fazer crescer flores nessa sociedade
injusta e impune que até agora só cultivou a desesperança e o descrédito.
Nessas manifestações que temos assistido, muitas flores
estão sendo plantadas, estão sendo juntadas com inúmeras outras flores já
cultivadas e vistosas que nossos pais, nossos formadores plantaram num passado
não tão distante. O que nos impede de ter mais flores nos jardins são os muros
construídos, muros esses da separação, da indiferença, da tentativa de minar
uma indignação de todos... mas, não desanimemos! No caminho podemos ver muros
ou flores... feliz é aquele que pula os muros para encontrar e plantar mais
flores.
Fotos da Gazeta do Povo |
"Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar
ninguém" nessas palavras de Vinícios de Morais fica a dica pra
exercitarmos o 'sair de si' para 'ir ao outro'... esse movimento requer
coragem, requer compreensão: só os fortes conseguem? Não, talvez só os fracos
consigam, porque os fortes se acham grandes demais para se fazerem pequenos com
os pequenos, fracos com os fracos... são fortes demais para se mostrarem fracos
e suscetíveis ao amor.
Aos Gigantes que acordaram: o que querem? Qual o projeto de
nova sociedade? Não é pelo alvoroço que se conquista mudanças verdadeiras, o
gigante acordou, e ele não pode descansar enquanto não ver uma nova sociedade,
com valores que dignificam e valorizam sempre mais o humano o conduzindo sempre
a práticas libertadoras que são capazes de transformar as realidades de morte
de nossa sociedade em realidades de vida.
A
sociedade precisa renascer, essa passagem de opressão para a libertação, nas
palavras de Paulo Freire precisa acontecer de forma que “os que passam têm de
assumir uma forma nova de estar sendo;
já não podem atuar como atuavam; já não podem permanecer como estavam sendo.”
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