quarta-feira, 19 de junho de 2013

Desafiando o gigante

(Uma metáfora para a manifestação)

Venho contar a história do Joãozinho, que certo dia ganhou uma sementinha de Margarida. Tadinho do jãozinho, deram-na de graça, na escola. Foi dada pelo professor.  Mas disseram-lhe que poderia ser uma pessoa muito nobre e conseguiria grandes conquistas se a cultivasse. Vale lembrar que a cidade cheirava muito mal. Quem conseguia cultivar uma flor se tornava grande por melhorar um pouco a cidade. Todos tinham as sementes, mas nem todos davam importância para elas.

E não é que o menino colocou na cabeça que a sementinha lhe traria algo bom na vida?! Plantou-a no meio da praça, lá ele ia todos os dias, regava, questionava, conversava com a sementinha... Certo dia, passado já muito tempo, o menino cresceu e ficou moço, jovem já, mas nunca lhe passou pela cabeça abandonar a ideia de cuidar da sementinha, afinal, quem a entregou era pessoa de confiança. O sol nem tinha nascido direito, já estava lá o menino, ansioso na esperança de ver um brotinho que fosse do pé de Margarida.

Mas aquele dia foi diferente, ao cair a primeira gota do regador, já velho, uma folha irrompeu o véu da terra e iniciou sua subida sem parar. Não era só uma folha, não era só um broto, mas sim um pé enorme que tocara o céu. Este fez com que o gigante que vivia nas alturas, vez ou outra, numa espiadela, olhasse para baixo, mas aquele dia o gigante acordou. Ao acordar irritado olhou pra baixo e o que viu não foi apenas o João, viu Maria, Pedro, Natália, Felipe, Thales, Giovana, Laís, Paulo, Vinícios, viu a mim, viu você... e pela primeira vez o gigante encontrou outro Gigante, um mais forte, um mais voraz.
Já ia me esquecendo de contar... Como o gigante sempre dormia tranquilo se esquecia do povo que vivia abaixo dele, e por isso toda gente, vira e mexe, sofria com as regalias do gigante. Quando não era baba eram suas flatulências.  O povo gritava já louco pelas ruas: Que horror o excremento do gigante! – em ambiente tão sujo e nojento era difícil acreditar que um pé de flor pudesse fazer a diferença.
No entanto, quando o gigante acomodado olhou e viu o Gigante indignado, notou que o povo cansado de suas sujeiras, só de sacanagem, iria agora inovar. Não pegaram armas, não violentaram o gigante, mas ao contrário, todos com muita esperança passaram a cultivar suas sementes e o que se viu? Em tão pouco tempo, aquilo que era insignificante tomara corpo e ficara grande.
As margaridas cresceram com folhas tão avantajadas que cerraram as alturas aprisionando o gigante que se achava poderoso! Assim como porco, lambuzou-se da lavagem, e mal sabia que teria seu fim no seu próprio chiqueiro.
Fica a pergunta: e o João? O João cresceu e ficou forte, não por egoísmo ou vã glória, mas sim porque se uniu e se tornou um com todos promovendo transformação. Hoje olho pro Brasil e vejo muito do Joãozinho. Muitos de nós recebemos boa educação, tivemos professores que acreditaram em nós, em nossa capacidade de fazer a diferença. E não apenas professores, nossos pais, pessoas próximas que cuidaram de nós e muito contribuíram com a formação de nossa consciência.
Entregaram-nos sementes, não nas mãos, mas sim no peito, no coração. Alguns cultivaram tal semente e por ter a esperança de que ela iria se abrir em flor foram às ruas e, ainda que em poucos, cansados muitas vezes, desanimados outros tanto de vezes, não se cansaram de sair com seus regadores e cultivar a semente das pessoas que já a tinham esquecido.
E agora? Ah! Agora viram a flor nascer. Esse gesto fez com que a população se lembrasse das lutas do passado, recordasse de seus direitos de vida e de vida em plenitude. O povo viu como é bonito um jardim no meio da cidade e todos se empenham por cultivar e fazer crescer flores nessa sociedade injusta e impune que até agora só cultivou a desesperança e o descrédito.
Nessas manifestações que temos assistido, muitas flores estão sendo plantadas, estão sendo juntadas com inúmeras outras flores já cultivadas e vistosas que nossos pais, nossos formadores plantaram num passado não tão distante. O que nos impede de ter mais flores nos jardins são os muros construídos, muros esses da separação, da indiferença, da tentativa de minar uma indignação de todos... mas, não desanimemos! No caminho podemos ver muros ou flores... feliz é aquele que pula os muros para encontrar e plantar mais flores.
Fotos da Gazeta do Povo
"Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém" nessas palavras de Vinícios de Morais fica a dica pra exercitarmos o 'sair de si' para 'ir ao outro'... esse movimento requer coragem, requer compreensão: só os fortes conseguem? Não, talvez só os fracos consigam, porque os fortes se acham grandes demais para se fazerem pequenos com os pequenos, fracos com os fracos... são fortes demais para se mostrarem fracos e suscetíveis ao amor.
Aos Gigantes que acordaram: o que querem? Qual o projeto de nova sociedade? Não é pelo alvoroço que se conquista mudanças verdadeiras, o gigante acordou, e ele não pode descansar enquanto não ver uma nova sociedade, com valores que dignificam e valorizam sempre mais o humano o conduzindo sempre a práticas libertadoras que são capazes de transformar as realidades de morte de nossa sociedade em realidades de vida.
A sociedade precisa renascer, essa passagem de opressão para a libertação, nas palavras de Paulo Freire precisa acontecer de forma que “os que passam têm de assumir uma forma nova de estar sendo; já não podem atuar como atuavam; já não podem permanecer como estavam sendo.” 

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