Enquanto ele viajava trazia na mente as cenas de amor que
outrora vivera, sentia como que se a cada quilômetro rodado mais um tijolo
fosse assentado na ponte da saudade que começara a construir dentro de si. Em
meio ao sol da manhã, o silêncio e o balanço, aquele homem contemplava o
infinito, seus olhos iam ao longe como se lá... ao longe, pudesse encontrar o
objeto de seu amor, e embevecido encontrasse nela não mais a adolescente feliz
por quem um dia se apaixonara, mas sim a mulher que o tempo a fizera. Isso lhe
colocava diante da afirmação de que o os anos passaram, e ele também se fizera
homem formado.
Num gesto nostálgico fechou lentamente os olhos e exclamou
com o pensamento: ‘Somos aquilo que fizeram de nós!’, abrindo os olhos, voltou
seu olhar para a janela, o peso da idade lhe trouxera marcas e feridas na alma
e no físico, mas sabia que até ali aprendera muito, aprendera até mesmo a se
despedir de um grande amor. Aprendera que, em sua vida, os momentos mais
repletos de sentido e emoção foram aqueles que ele vivera para o outro... um
alguém desconhecido que ao se doar e depois de amar tanto ainda sem conhecer
lhe tornara conhecido, um outro ‘outro’, um ser fora do seu, mas que ali
encontrara muito de si, afinal era também pessoa, era carne e coração.
Concluíra que cada homem é para o outro uma escola, os
momentos vivenciados são repletos de significados quando são vividos
autenticamente. Cada presente é um aprendizado que o passado ensinou e com ele
projetamos nosso futuro, assim, sempre se aprende e sempre se lança ao que se
há de vir, tendo, também, força para mudar a rota, reestruturar se for preciso,
mas para tanto, é importantíssimo sempre aprender.
Viajava não apenas com o corpo físico, mas sua mente e seus
pensamentos embarcavam nas viagens trazidas pela emoção. Foi a hora em que o
inconsciente se tornou consciente, sem esquizofrenia, ainda que a lembrança
possa revelar o quão louco já fomos e nos coloca diante da questão: “por que
loucos não podemos ser?” Talvez haja na loucura uma verdade, que verdade?
Aquela de que tudo se suporta quando o que buscamos realizar é belo e nobre. Lembrou-se então o velho de uma frase que lera pouco antes de sair da
cidadezinha na qual se encontrava: “Amar é necessário”, dizia o outdoor em
letras garrafais. Ao ler tal frase emocionou-se por ver que a sociedade custara
muito tempo, mas reconhecera o valor de amar, no entanto, a alegria durara até
o momento em que, ao olhar para o relógio de pulso, notara que era dia 13 de
junho. Não! a sociedade não reconheceu o amor, mas fez dele objeto de consumo.
O outdoor era propaganda do dia dos namorados... Ladrão! -
exclamou outra vez com a mente - prendam aqueles que colocaram o amor nas
grades do comércio e tiraram dele o que há de mais belo: sua essência. Deixando
a mente buscar no passado as experiências da vida vivida pensou: o amor de hoje
cheira o perfume de dona Maria Cheirosa, senhora lá da vila. Quando crianças,
todos a chamávamos assim porque seus perfumes cheiravam a quilômetros de
distância, mas na verdade não era de marca, não tinha uma essência, era muita
mistura, muito cheiro, mas insuportável. Não era verdadeiro.
Teria o amor de hoje se tornado tal qual o perfume de dona
Maria Cheirosa? O amor que nas manhãs de 13 de junho ganhara as primeiras
páginas, o amor que anunciavam os outdoors era aquele da venda e do consumo? da
troca? da satisfação pessoal? sem outro? sem alguém? sem desconhecidos a
conhecer? Talvez... talvez...
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